sábado, junho 25, 2016

Ainda o Brexit!


Belo texto do Rodrigo Constantino sobre o resultado do Brexit... Vejam mais AQUI:

Como seria a reação da grande imprensa e da elite intelectual e financeira se o resultado do plebiscito no Reino Unido tivesse sido diferente, ainda que por menos de 1%? Sabemos a resposta: todos estariam enaltecendo a “voz das ruas”, a “decisão popular”, a “democracia”. Estariam elogiando a “sabedoria” do povo. E estariam celebrando mais um passo relevante em direção ao governo mundial. Mas o resultado foi outro. Deu Brexit.

E aí o que acontece? Automaticamente o povo passa a ser ignorante, o Reino Unido está dividido, os pobres e sem educação votaram pelo medo, pelas emoções, a classe média é obtusa, xenófoba, preconceituosa. Talvez até seja necessário um novo plebiscito, para ver se esse povo idiota acerta dessa vez. A democracia plebiscitária só é boa quando o resultado agrada a esquerda, eis o recado.

Em qualquer tema complexo como este, há sempre argumentos legítimos de ambos os lados. Venho tentando apresentar aqueles do lado do Brexit, que, após muita reflexão, seria minha escolha caso fosse britânico. Não se trata de decisão trivial. Não devemos adotar visão simplista, como faz o lado de lá: votar pela saída é defender a liberdade e permanecer na União Europeia é escolher a escravidão. Não é bem assim.

Em primeiro lugar, podemos conceder isso aos “progressistas”: de fato, muita gente ignorante, xenófoba e preconceituosa votou pela saída com base no medo. É um fato. Nigel Farage, líder do Ukip, que encabeçou a campanha pela retirada, tem viés demagogo, como tem Donald Trump nos Estados Unidos. Mas daí a ignorar que vários apoiaram a saída ou apoiam tais líderes com base em sólidos argumentos vai uma longa distância.

A esquerda prefere ignorar essa complexa realidade. É mais confortante repetir que todos são uns idiotas, que uma cambada de ignorantes escolheu, por medo, o caminho populista. Mais confortante, mas uma visão equivocada e um tanto arrogante. Há muita vida inteligente do outro lado, apoiando a saída por motivos bastante convincentes. Ignorar essa gente toda, fingir que não existe, é apenas uma tática dos “progressistas” para continuar se sentindo os únicos racionais em campo.

Então Margaret Thatcher, a maior estadista que o Reino Unido já teve, que literalmente salvou a Grã Bretanha do socialismo, era apenas uma idiota? Pois ela era uma das vozes mais estridentes, em seu tempo, contra a união forçada com o restante da Europa e a consequente perda de soberania de seu país. 

Eis o que penso disso: a elite intelectual e financeira, os jornalistas da grande imprensa, todos eles vivem numa espécie de bolha, cada vez mais afastados da realidade do “povão”, que eles juram defender. Se para um jornalista que vive em Nova York o imigrante muçulmano é uma abstração, uma espécie de mascote que ele defende em jantares inteligentes, para o sujeito pobre ele é o vizinho do gueto, cada vez mais dominado por uma cultura estranha, diferente, autoritária.

Enquanto o banqueiro comenta sobre livre imigração dos mexicanos na conversa do iate, o trabalhador humilde vê um imigrante ilegal tentando roubar seu emprego, e depois enfrenta o aumento da criminalidade nos bairros pobres por conta das leis “progressistas” que protegem tais imigrantes, como as “sanctuary cities” americanas. Para essa turma do andar de baixo, tais questões não são filosóficas ou abstratas, mas reais e concretas.

Se o estado concentra cada vez mais poder e recursos e controla mais e mais a economia, isso pode representar um fardo extra para o profissional liberal rico, talvez até algumas oportunidades para o advogado, mas para o trabalhador simples pode ser mortal: uma escola pública terrível, um hospital público que não funciona, um transporte público decadente.

Enfim, a tese de Charles Murray em Coming Apart se aplica bem aqui: há um gradual afastamento entre a elite na bolha e o povo. Ler os livros do psiquiatra britânico Theodore Dalrymple sobre o assunto também ajuda a elucidar muitas questões: é o povo que paga o preço das bandeiras imorais da esquerda caviar. E esse povo está indignado, revoltado, não se sente representado, e agora tem mais voz. A elite “progressista” ainda não entendeu isso!

Não são idiotas aqueles que compreendem tais riscos, que enxergam no “governo mundial” um obstáculo à liberdade, que cansaram da concentração de poder em burocratas “ungidos”. Não são xenófobos aqueles que não consideram desejável a perda completa de sua identidade nacional. Não agem apenas por medo aqueles que veem na União Europeia não um bloco de livre comércio, mas um aparato cada vez mais regulador do mercado. Não são ignorantes os que pretendem resgatar a soberania nacional perdida.

Ao ignorar tudo isso para repetir que o povo que votou pela saída é idiota, a esquerda “progressista” demonstra apenas sua própria ignorância, fomentada pela extrema arrogância dos que se consideram os únicos seres racionais do planeta. E como isso é irracional…

Sérgio

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