Pessoal,
Vejam só... Uma festa de casamento perfeita, uma companhia para passear e falar de música ou um simples ombro reconfortante. No Japão, a introspecção oriental, somada à cultura da formalidade, criou um mercado de atores que interpretam papéis normalmente reservados a amigos íntimos e parentes — seja qual for o evento, é possível contratar seus convidados. O som de risadas contidas se mistura ao do órgão que toca músicas clássicas de casamento no moderno salão de festas em Saitama, a uma hora de Tóquio, onde cerca de 60 convidados terminam o jantar. É o momento certo para que um senhor de meia-idade, quase careca, colega da empresa de advocacia do noivo, se levante, bata com o talher na taça de champanhe para chamar a atenção de todos, e comece o discurso. “Ele é um cara incrível, como sabem todos que o conhecem”, começa Kaoru Miyazaki, cheio de carisma. “Temos muita sorte de tê-lo na empresa. Por isso, vamos desejar ao novo casal toda a felicidade.” Os convidados se levantam e aplaudem, enxugam as lágrimas dos olhos, cumprimentam-se. Miyazaki dá um tapinha nas costas do noivo.
Essa cena poderia acontecer em qualquer casamento no Japão, mas peca em um detalhe: é completamente falsa. Até aquele dia, o “colega da empresa” e o noivo nunca tinham trocado uma palavra sequer. Na verdade, Miyazaki, de 41 anos, recebeu o discurso que fez no casamento por e-mail — escrito pelo próprio noivo — no dia anterior, junto com outras instruções de como deveria se portar. Miyazaki ensaiou o texto por no máximo uma hora, enquanto vestia o terno e embolsava US$ 250 pelo trabalho, mais US$ 50 extras pelo discurso (considerado algo difícil na cultura japonesa, pelo grau de exposição).
Contratar estranhos para interpretar papéis normalmente reservados a amigos e familiares pode soar bizarro, mas Miyazaki é apenas um entre muitos atores que alimentam esse mercado em crescimento no país. Ele trabalha para a Hagemashi-Tai (algo como “Para alegrar você”), uma empresa especializada em atores que interpretam parentes, amigos e colegas em qualquer ocasião. Precisa de uma foto sua com um garoto bonito para mostrar às amigas ou colocar em seu site de relacionamentos? A Hagemashi-Tai providencia para você. E se, por acaso, seu filho aprontar alguma arte no mercadinho do bairro e, como mãe solteira, você se sente insegura para encarar o dono do estabelecimento e se desculpar, um pai de aluguel pode acompanhá-la na conversa para dar alguma credibilidade, além de apoio moral. A Hagemashi-Tai, assim como muitas outras empresas do ramo no Japão, aluga atores até para fazer o papel de amigos, confidentes, acompanhantes e prestar suporte emocional.
Esse conceito de contratar estranhos para bancar parentes e amigos é algo único do Japão e engloba uma mistura de aspectos culturais e sociais. A mudança no estilo de vida dos japoneses — antes completamente focada no trabalho, sem muito convívio social fora dele — levou a uma ruptura da formalidade excessiva que permeou as relações pessoais no país nos últimos 50 anos, deixando um vácuo que essas empresas estão preenchendo. A demanda é maior em cerimônias oficiais, como casamentos, onde uma postura formal, que os japoneses chamam de tatemae, ainda é considerada muito importante.
Para Miyazaki — um autor de livros sobre esporte e ator amador com alguma experiência de palco —, elogiar um estranho em um casamento é uma forma de ajudar as pessoas a enobrecer suas vidas. “Eu fiz os convidados mais felizes e eles realmente gostaram do que eu disse”, afirma. “Sou privilegiado por poder prestar esse serviço.” O chefe de Miyazaki usa o mesmo discurso. “Nós fazemos de tudo para ajudar a quem precisa”, diz o CEO da Hagemashi-Tai, Ryuichi Ichinokawa, um homem de 44 anos aparentemente bem conservador.
Ichinokawa abriu a empresa três anos atrás, após estudar aconselhamento profissional e oferecer seus serviços pela internet. Não demorou muito para que seus clientes passassem a “encomendar” amigos e familiares de mentirinha para ocasiões especiais, que ele hoje tem como principal negócio de sua empresa.
Clique aqui e saiba mais. Essa é uma matéria da revista Marie Claire deste mês.
Sérgio