Matéria interessante do
G1:
'Rei dos motéis' cria suítes com iate, algemas e mesa que resiste a tudo. Referência no setor, arquiteto Ricardo Freire abomina as camas redondas. Ele projetou suíte de R$ 1 milhão com toboágua, spa e cama suspensa. Leiam mais:
Casado há 32 anos e pai de uma filha de nove, Ricardo Freire conhece mais motéis do que muito homem solteiro por aí. O arquiteto de 49 anos já projetou tantas suítes no Brasil inteiro que até perdeu a conta. Após o primeiro trabalho na área, que surgiu por acaso na década de 1990, ele traçou uma trajetória que o levou a ser referência nacional nesse mercado. Nas quase duas décadas de dedicação ao tema, Freire não poupou a criatividade: já colocou dentro de alguns quartos uma picape, a réplica de um iate, uma cama suspensa e um aquário com tubarões, por exemplo. Fez decorações temáticas mirabolantes; criou a primeira suíte para festas do Brasil e aproveitou o sucesso de '50 tons de cinza' para projetar um ambiente inspirado no livro.
Freire também foi "limpando" aos poucos a decoração das suítes, tirando os excessos e tornando-as mais sofisticadas – tendência que continua no setor até hoje. Começou a fazer isso em um estabelecimento que foi seu cliente por cinco anos e que ele considera sua "escola". “O quarto era muito carregado, tinha muita moldura, escultura, muita tranqueira. A gente foi deixando mais 'clean', fazendo traços retos, tirando imagens de nu, cores chocantes”, explica. Também nesse motel, ele colocou um aquário de 15 metros de largura na fachada, que atraiu a atenção da mídia e do público – nem sempre positiva, admite. "O pessoal parava na frente do motel para ver o aquário, paravam famílias e ficavam olhando. Não sei se isso era muito bom", diverte-se.
Quando o trabalho acabou, o arquiteto continuou apostando no setor, que ainda não tinha profissionais especializados. Começaram os trabalhos temáticos, que estavam em voga no início dos anos 2000. "Fiz suíte grega, indonésia, zen... Mas as mais pedidas eram as japonesas", conta. Na época, a moda era fazer referências literais a cada tema – caso de um quarto "safári" projetado por Freire, que tinha folhagem no teto e um leão de pelúcia que rugia. Hoje, a tendência é sugerir a inspiração de forma sutil, afirma.
Cama redonda sai de cena
Outra mudança ao longo dos anos é que a famosa cama redonda foi saindo de cena. Para o arquiteto, ela não só se tornou "brega" como nunca foi prática: "A cama redonda não tem função, é só fetiche. Ela é problemática, exige colchão especial, lençol especial. E não dá para duas pessoas pernoitarem com conforto, a não ser que seja muito grande e ocupe muito espaço. O pé sempre fica de fora". Freire também viu os motéis saindo das estradas e indo mais para o centro em algumas capitais, como São Paulo, Rio, Recife e Natal. Em suas palavras, "acabou a vergonha". "No interior é diferente, o pessoal ainda quer fazer mais afastado. Depende também da lei de cada lugar, mas a verdade é que, quanto mais dentro da cidade, melhor para o negócio", afirma. O arquiteto viu ainda o mercado ganhar mais opções de luxo. Chegou a projetar uma suíte de festa que custou em torno de R$ 1 milhão. Com 415 m², tem capacidade para 300 pessoas e toboágua, palco e pista de dança, cama suspensa, fliperama, piscina e spa. A Associação Brasileira de Motéis estima que os cerca de 5 mil motéis brasileiros movimentem R$ 4 bilhões por ano e espera que faturem 20% a mais em 2013 do que em 2012, e que o número de clientes aumente em 15%.
Uma cadeira para dois
Sem experiência nem livros sobre o assunto que pudesse consultar, Freire teve que aprender "apanhando" no início da carreira. Segundo ele, por mais que os motéis atuais queiram se parecer cada vez mais com hotéis de luxo, há diferenças importantes que devem ser levadas em conta na sua construção. O mobiliário, por exemplo, tem que ser mais resistente, e quase sempre criado sob medida, já que não há empresas que fabriquem peças para motéis. "Não adianta trazer o conceito de decoração de casas para deixar o lugar mais bonitinho. Tem que escolher bem os materiais. Não dá para trabalhar com cama box como as de hotéis, por exemplo porque são frágeis. O parafuso não resiste e as pernas sempre quebram", diz. Os tampos das mesas também têm que ser de vidro temperado para evitar acidentes. "Às vezes o dono põe um tampo muito fino para economizar, mas o cliente não utiliza a mesa só para comer, e aí ela acaba quebrando. É muito perigoso, pode acontecer um acidente", diz. Acidentes que, aliás, já aconteceram. Freire sabe de clientes se cortaram com mesas de vidro e até com um espelho que foi mal colocado no teto e caiu.
As cadeiras também têm que ser mais resistentes do que o normal. Afinal, diz o arquiteto, "tem que lembrar que serão duas pessoas em cada cadeira, e não uma". Ele acrescenta que gosta de pesquisar modelos diferentes, pois trata-se de um item que "chama a atenção" da clientela. Também não adianta economizar não colocando laje e deixando só o forro, pois isso pode comprometer o isolamento acústico. "Tem que fechar todas as frestas que houver, ou o som se propaga mais." Outro cuidado importante é escolher materiais fáceis de limpar. Segundo ele, via de regra as camareiras têm apenas 12 minutos para limpar cada apartamento nos horários de pico. "Tem gente que coloca papel de parede, mas não dura, tem que ser um papel em PVC, vinílico. Se o cara jogar vinho ou houver alguma mancha, dá para passar um pano úmido e não esfarela. E os tecidos têm que ser impermeáveis", explica. Segundo Freire, os cuidados são especialmente necessários porque o cliente de motel é "o mais 'vândalo' que há". "A loucura dele é tão grande que ele quebra, faz o que quer", brinca.
Preconceito e piadas
Filho de um contador e de uma dona de casa, Ricardo Freire nasceu em Mogi das Cruzes e foi criado em Mongaguá (SP). No fim da década de 1980, foi para os EUA ganhar a vida trabalhando como garçom em restaurantes e na manutenção de apartamentos. Na volta, terminou o curso de arquitetura em Santos. Atualmente, está com projetos em andamento para 16 motéis em vários estados brasileiros. Recebe propostas para fazer residências e outros projetos comerciais, mas diz que só aceita quando tem tempo. "Meu foco é o motel." Quando começou a trabalhar na área, diz que a família olhava torto, e também sentia preconceito por parte de outros profissionais. "Todo mundo olha de rabo de olho, torce o bigode. Mas aí eu mostro meu trabalho, falo desse mercado, e as pessoas se transformam, querem saber como é. É um comércio como qualquer outro. Tem motel que é melhor do que muito hotel cinco estrelas por aí", defende. Ele diz que atualmente há outros especialistas além dele, e costuma atender estudantes de graduação que querem enveredar por esse caminho. Só não se livrou ainda das inevitáveis brincadeiras dos amigos sobre seu trabalho. “O pessoal sempre faz gozação, e no final pede um VIP. Eu digo: sou arquiteto, não sou o dono”, conta, rindo.
Sérgio