E como tem gente que se perde na vida... Ter algo na vida, não significa que se irá manter. Muito triste esta história. Enfim, se a gente não tem uma estrutura moral e cultural para lidar com as coisas e as situações, como dinheiro e fama, tudo vem e vai. Matéria Jornal Extra:
Os dedos parecem deslizar pelas quatro cordas do baixo elétrico. A rapidez em ajustar os cabos dos amplificadores é notável. E, a memória, os versos das canções de uma das principais bandas de rock brasileiras ainda estão afinados. Morador de rua desde 2005, o ex-baixista Renato Rocha da Silva, de 51 anos, que integrou a formação original do Legião Urbana, sonha recomeçar. Negrete, como ele é conhecido, está vivendo num abrigo, sente saudades da fama e pensa num retorno aos palcos. — Entregue seu caminho ao Senhor, confie nele e ele tudo fará. Quero voltar, mas fazer show tem que ter estrutura — diz o músico, no auditório da Unidade Municipal de Reinserção Social Rio Acolhedor, em Paciência. É lá que o baixista mora desde a última quinta-feira, quando uma equipe de assistentes sociais e psicólogos parou uma van da prefeitura na Rua do Catete e o encontrou. Depois de conversarem, ele aceitou ser levado para o abrigo municipal. Da época que integrou o Legião Urbana, Renato Rocha lembra dos shows, das festas e das viagens. E também dos luxos, como o carro Alfa Romeo do ano, as motos Harley Davidson, a casa e o sítio.
Sobre drogas e álcool, ele não gosta de falar. Apesar de falas às vezes desconexas, garante que nunca se envolveu com nenhum dos dois. — Só fumei maconha e tomei umas vitaminas para não dormir. Nada além disso. Nem cheirei, nem usei crack. Se eu usasse alguma coisa, não estaria vivo — afirma. Com “os meninos”, como ele costuma chamar os antigos companheiros do Legião, gravou três discos até 1987 — “Legião Urbana”, “Dois” e “Que país é este?”. Participou ainda dos trabalhos de “As quatro estações”. Além de tocar, compôs “Quase sem querer” e “Daniel na cova dos leões”. Ainda ajudou na letra de “Eduardo e Mônica”. — Caetano e Gil diziam que a melhor coisa é tocar e a segunda é viver. Fiz as duas coisas. Já pensei até em escrever um filme sobre isso — conta o músico.
Gosto pela música veio na infância
Renato nasceu em São Cristóvão, no dia 27 de maio de 1961. Era o caçula de três irmãos, filhos de um militar da reserva e de uma dona de casa. Com 5 anos, mudou-se com a família para Brasília. E foi por lá que, em 1973, se encantou pelo contrabaixo e, no auge do movimento punk, fez shows em bares e praças. Pelas andanças por Brasília, conheceu Renato Russo. Largou a escola na metade do ensino médio. E, entre 1984 e 1987, tocou no Legião, ao lado de Marcelo Bonfá e Dado Villa Lobos. De volta ao Rio em 1996, alugou uma casa no Recreio dos Bandeirantes para morar com uma vendedora de produtos de beleza. Tiveram dois filhos (Renato, de 11 anos, e Vitória, de 13). Em 2001, os três se mudaram para Brasília. E Renato voltou a viajar pelo país. — Depois parei nas ruas, que é o melhor lugar para aprender as coisas. Tenho liberdade maior e não me prendo a regras diárias — explica sobre sua escolha.
Ao chegar ao abrigo na quinta-feira, Renato foi reconhecido por Flávio Cesar Paes da Silva, de 45 anos, seu ex-companheiro de marquise na Avenida Rio Branco, no Centro. Na época que se conheceram, Renato catava guimbas de cigarro no aeroporto. Já na sexta-feira, o ex-baixista se ausentou por quase cinco horas do abrigo com a desculpa de ter que sacar “R$ 14 milhões no banco”. Voltou sem dinheiro, mas encontrou um palco montado. É um estímulo para retomar o gosto pela música e pela vida.
Abrigo reúne histórias surpreendentes
O ex-baixista não é o único abrigado na Unidade Municipal de Reinserção Social Rio Acolhedor que carrega histórias dramáticas e surpreendentes de vida. Entre os moradores de rua que foram parar no local, está Telma Guedes, de 47 anos. Ex-prostituta, ela conheceu um homem nos calçadões de Copacabana e foi morar com ele na Suíça, em 1996. As fotos do país europeu decoram a beliche em que dorme há quase um ano. Na Suíça, aprendeu a atirar. E, numa briga por ciúme numa boate, Telma quase matou o parceiro, baleado por ela. Presa por um mês, foi deportada e voltou ao Rio: — Fiquei nas ruas, com pneumonia e tuberculose. A equipe da prefeitura me pegou na UPA de Manguinhos. Hoje, eu prefiro ficar aqui — garante. Edinei Araújo de Souza, de 30 anos, também prefere. Há três meses, ele entra e saí do abrigo quase diariamente. Conta que trabalha como ajudante de camelô, nas madrugadas, próximo aos Arcos da Lapa, onde fatura R$ 15 por dia. Depois de brigar com a família, que vive na Penha, foi parar nas ruas da cidade. Hoje, só visita a casa da avó, em Anchieta, regularmente. Já o aposentado Sebastião Viriato Correia, de 88 anos, não tem parentes para visitar. Ainda moço, deixou o trabalho no campo, em Goiás, para realizar o sonho de conhecer o Rio. Sem mulher nem filhos, acabou parando nas ruas. No abrigo desde a inauguração, há dois anos, é o mais velho e antigo por lá.
Sérgio
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