Tivesse eu meus 9, 10 anos, aposto que as últimas 24 horas teriam representado uma aventura e tanto. Quando se tem essa idade, qualquer motivo que culmine em suspensão das aulas já é automaticamente considerado como um dos acontecimentos mais relevantes da década. Posso até imaginar o telefone sem fio entre os colegas da escola chegando ao último elo da corrente, com a suspeitíssima informação de que o carro do pai do cicrano foi visto, à deriva, em plena Lagoa Rodrigo de Freitas.
Outro amiguinho diria que assistiu ao vídeo de um motociclista sendo engolido por um buraco submerso em Copacabana, ou então que peixes do Rio Maracanã teriam invadido, pela janela, um escritório na Tijuca. Os factóides, dignos dos melhores filmes da Sessão da Tarde, se somariam até que um dos futriqueiros vestisse sua galocha e saísse, na companhia da mãe, para buscar o almoço no restaurante por quilo da esquina.
A essa altura, os pontos de alagamento haveriam se dispersado, e a vida voltaria, aos poucos, ao que sempre foi. O menino, então, ligaria, decepcionado, para seus comparsas de imaginação fértil e diria “não foi tão grave assim”. No dia seguinte, de volta à escola, a chuva seria um assunto superado, uma passagem incapaz sequer de ser lembrada no final do ano letivo.
Quando se tem a minha idade, dias como o de hoje são de apreensão. Se as crianças montam cabanas na sala e se entopem de assistir desenhos animados na TV, tendo os olhos pregados no noticiário, acompanhamos a iminência de uma tragédia. Enquanto a chuva e o número de fatalidades não cessam, tento estabelecer parâmetros comparativos que posicionem este temporal entre todos os outros que já testemunhei. Não me recordo de uma ocasião em que o Túnel Rebouças, a Praça da Bandeira e a Ponte Rio-Niterói tenham ficado inacessíveis ao mesmo tempo.
Mal comparando, fosse a região metropolitana do Rio um paciente enfermo, o diagnóstico seria compatível com o de alguém cujos pulmões, coração e rins tivesse entrado em colapso, simultaneamente. 2012? Apocalipse? Juízo Final? Não, a cidade parou porque sucumbiu às suas velhas mazelas. As mesmas vulnerabilidades que há tanto tempo conhecemos, e que sempre são expostas pelas águas que fecham o verão.
Diz-se por aí que trata-se da pior chuva em 44 anos, um argumento que cabe como luva a quem porventura quiser chamar de calamidade o que estamos presenciando. A despeito da periodicidade com que ocorrem temporais dessa magnitude, para que serviram todos os outros, os intermediários, que ao longo de tantos anos parecem não nos ter ensinado nada? Um alerta a população seria pedir muito?
Será que os aparatos tecnológicos atuais, as imagens de satélite que nos flagram tirando meleca dentro do banheiro, não são suficientes para diferenciar uma pancada de chuva convencional de uma tempestade que se estende por ininterruptas 22 horas?
Bom, seja lá como for, trancafiados dentro de casa, esperamos por uma trégua, ou pela informação de que medidas convincentes serão tomadas, a fim de evitar que tais circunstâncias se repitam. Porque carros à deriva, motocicletas engolidas por buracos e peixes que entram pela janela são cenas que nunca deveriam transpor o limite da ficção.
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