quinta-feira, julho 26, 2012

Me dá sua senha?


Se é para desconfiar, para que estar junto? Veio da Marie Claire:

Prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... no instagram e no facebook e dar-te, ainda, todas as minhas senhas eletrônicas até o fim de nossas vidas.” Se tivessem sido escritos depois da criação da internet, é bem possível que fossem esses os votos matrimoniais proferidos nas cerimônias de casamento. Em tempos de paranoia e traição digital, muitos casais veem a troca de senhas (do e-mail ou das redes sociais) como verdadeira prova de amor. É o caso de Jéssica Baldi e João Matos, ambos com 21 anos. Ela estuda design gráfico e ele, análise e desenvolvimento de sistemas. Estão juntos há dois anos e, desde o quarto mês de namoro, dividem todas as senhas de e-mail e redes sociais. Jéssica foi a primeira a dar o passo, ao abrir o seu perfil de facebook para o namorado. Por telefone, pediu que ele olhasse “se tinha algum recado urgente” para ela, que, havia alguns dias, estava sem internet. Um mês depois, foi a vez de João pedir que ela acessasse sua conta no mesmo site, enquanto jogava videogame no sofá ao lado. Foi a forma que ele encontrou para retribuir a prova de amor da namorada.

Jéssica já havia compartilhado as senhas com um ex, mas a negociação, na época, foi por puro ciúme: “Eu fuçava as páginas dele todos os dias, antes mesmo de olhar as minhas. Com João, foi diferente. A gente confia tanto um no outro que não precisa esconder nada”, diz. “Vejo os e-mails e o facebook dele quando quero ou quando ele me pede. Nãofico checando, mas gosto de ter a senha.” Para a estudante, “confiança e amor andam juntos” e, se estiverem acompanhados das senhas eletrônicas, melhor ainda. Mas e os papos de menina? Aqueles que os homens nempodem sonhar que existem? Será que trocar as senhas nãocensura um pouco as conversas? Jéssica acha que não, masdiz que avisa o namorado quando recebe mensagens que podem gerar interpretações erradas. “Eu já digo logo: ‘olha, tal pessoa me convidou para sair, mas é só meu amigo e a gente vai em turma, tá?’, que é para evitar que ele se preocupe”, afirma Jéssica. João entende e faz igual.


Assim como eles, 30% dos jovens que têm vida social virtual ativa (ou seja, passam bastante tempo em sites de redes sociais e de relacionamento) compartilham ao menos uma senha com o parceiro ou algum amigo. É o que mostra um estudo com 770 pessoas feito recentemente pelo instituto de pesquisa americano Pew Internet. Para Rosa Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisas­ da Psicologia em Informática da PUC-SP, os casais que fazem isso­ querem tanto expressar fidelidade e confiança que se esquecem dos riscos de exposição. “As relações foram reinventadas e a vida virtual tem se cruzado mais com a presencial. Todos precisam de uma dose de privacidade, mas como lidar com isso em uma época em que a exposição é supervalorizada? As pessoas têm prazer em compartilhar momentos íntimos da ­vida e, às vezes, ignoram a importância da individualidade”, diz.

O casal de empresários Gabriela Vilela, 33, e Flávio Donadio, 34, é um exemplo de como a internet invadiu as relações amorosas na última década. Eles lidam com os perfis virtuais um do outro desde o início do namoro, há nove anos. Tudo começou um mês depois do início do relacionamento. Flávio decidiu criar um perfil no orkut. Imediatamente, Gabriela pediu que ele revelasse a senha. O argumento usado foi que eles não precisavam esconder nada um do outro. Com o acesso concedido, ela fazia “varreduras” diárias na página do namorado para ver se não havia nada “suspeito”. De tanto entrar no perfil dele, demorou a criar o seu próprio e usava o de Flávio quando queria ver as páginas dos amigos em comum.

Como quem procura acha, em menos de um mês, Gabriela se deparou com um depoimento­ escrito por uma ex-namorada de Flávio, desses bem melosos. “Liguei na hora, surtando. Mas ele nem sabia do que eu estava falando, porque ainda não tinha visto a publicação dela.” A conversa continuou ao vivo naquela mesma noite, quando os dois se encontraram. Gabriela agia como uma metralhadora de perguntas, querendo saber se ele havia flertado com a menina, se os dois mantinham contato e se ele sentia saudade dela. Flávio negou tudo e disse que a ex-namorada era maluca e carente. Apesar de ter mantido a calma durante a conversa — na qual prometeu excluir a garota do seu círculo de amigos virtuais —, a briga o traumatizou, e ele decidiu encerrar sua conta no orkut e abandonar as redes sociais. Quando o myspace e twitter se popularizaram, Flávio, mesmo trabalhando com tecnologia da informação, não aderiu. Só mudou de ideia no início de 2012, quando ele e Gabriela já estavam casados, e fez um perfil no facebook.

Dessa vez, ela demorou dois meses para pedir a senha do marido. “Disse que queria compartilhar fotos de uns cachorrinhos que a gente pegou na rua e precisava doar.” Antes disso­, ela costumava entrar no celular dele e checar mensagens e e-mails. Gabriela afirma que também viu o marido fuçando o seu celular sem pedir licença, mas diz achar graça. Ele tem as senhas dela desde o começo de namoro, porque criaram os endereços juntos e ela optou por usar o mesmo código para todas as suas contas — o que, como ela mesma ­admite, chega a ser perigoso. Hoje, eles não só continuam tendo todas as senhas um do outro, como também têm um aplicativo no computador que rastreia os celulares e dá a localização exata dos seus passos em tempo real­. Controle demais? Eles acham que não, e defendem que o acordo mantém o equilíbrio da relação. Para outras pessoas, no entanto, vasculhar a vida do parceiro é um hábito angustiante e, ao mesmo tempo, incontrolável. É o caso da designer A., 30 anos, que prefere não se identificar, casada há dois anos com o músico Gustavo, 42. Ambos mantinham sua privacidade nas redes sociais até seis meses atrás, quando ele deu a senha do seu perfil no facebook para que ela divulgasse um show que faria naquela noite. Feliz com o desprendimento do marido, A. abriu a página, fez a postagem e voltou ao trabalho. As coisas só começaram a mudar no dia seguinte, quando, ainda em posse da senha, ela sentiu uma vontade de fuçar as mensagens do marido que se provou maior do que o respeito à privacidade dele. “Me justifiquei dizendo a mim mesma que, se ele me deu a senha, foi porque não tinha nada a temer.” Mas o comportamento de A. virou rotina: ao menos duas vezes por dia, ela “escaneava” a página de Gustavo e analisava as interações que o marido tinha com outras mulheres. “Eu via uns recados de meninas falando umas besteiras, mas sei que isso rola porque ele é músico. Quando via que ele não dava corda, me tranquilizava.” "Depois da briga, passei a controlar mais. Hoje, vejo as atualizações do facebook dele direto no meu celular” A., 32, designer

Para a psicóloga Rosa Farah, não resistir à tentação de olhar pode ser o primeiro sinal de alerta de que algo não vai bem. “Mas é preciso lembrar que a culpa não é da internet, mas de quem já era possessivo e controlador”, afirma. A. não perdeu o hábito de olhar o perfil de Gustavo e se separou dele por causa da mania. “A minha surpresa foi quando ele começou a bater papo com uma amiga do colégio ao vivo, de outro computador. A janelinha do chat pulou na minha frente e eu só fiquei lá parada, lendo.” Os dois combinavam de se encontrar na próxima reunião dos ex-colegas e ele dizia que ela estava mais linda do que era antes. “Um xavequinho tão furado que eu fiquei até com vergonha!”, lembra. “Só que em certo momento da conversa, ele começou a reclamar de mim para ela. Disse que não aguentava mais a vida de casado, que eu era mimada, implicava com tudo e que estava pensando em se separar. Senti o sangue subir! Tudo acontecia ali, na minha frente.”

A. imprimiu aconversa e levou para o marido à noite. “Quando perguntei o que era aquilo, ele ficou branco, depois vermelho e gaguejou. Disse que era papo de internet e que essas conversas fazem bem para o ego dos homens, mas só. Ele não chegou a questionar porque eu estava conectada em seu perfil, acho que nem pensou nisso na hora! Mas a gente teve uma briga bem feia, porque não aceitei suas explicações”, conta. “Ficamos um mês separados e eu via sua página todos os dias. Ele me ligava, pedia desculpas, dizia que me amava e que queria voltar.” De tanto insistir, Gustavo a convenceu a reatar. “Valeu para reavaliarmos nossa relação”, afirma A.Depois da reconciliação, a senha do marido seguiu a mesma, e ela continua vasculhando. O vício, acredita, só piorou. “Agora tenho o perfil dele aberto o tempo todo no meu celular. Recebo as atua­lizações instantaneamente­.” O marido nunca exigiu contrapartida, mas A. acredita que ele aceite a situação por causa da culpa. Se um dia ele pedir a senha dela como condição para continua­rem juntos, ela diz que topa — não sem antes deletar algumas conversas que podem soar comprometedoras. “Sei que estou invadindo a privacidade dele, mas preciso disso”, diz.A psicóloga Dinah Stella Bertoni afirma que entregar as senhas como prova de amor e confiança pode até ser um fenômeno novo, mas é baseado em impulsos tão antigos quanto a humanidade, como o ciúme e a posse­. “As relações amorosas costumam começar já com a fantasia de que a pessoa amada é parte de nós. É muito comum vermos casais que compartilham tudo: amigos, projetos e opiniões. E o sentimento de posse provoca a sensação de ‘livre acesso’ ao outro.”

Segundo Dinah, “nossa cultura estimula concessões exageradas”. Essa vontade de investigar o amado nada mais é do que o medo de ser abandonada. “Pode ser uma imaturidade emocional, uma incapacidade de confiar em si mesmo e de respeitar o espaço do outro.” Ao incorporar o esquema “não temos nada a esconder”, os casais deixam de cultivar a individualidade e pioram a relação, diz a psicóloga. Editor do site de tecnologia­ Gizmodo, o crítico Sam Biddle comentou o assunto em sua coluna online. Assustado com o avanço do fenômeno, definiu o compartilhamento de senhas como “um eixo de intimidade do século 21”, e disse que considera o ato uma decisão errada. “Conheço muitos casais que compartilharam suas senhas. Não sei de nenhum que não tenha se arrependido.” Você encararia?

Sérgio

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