Pessoal,
É puro lixo... Trabalhei em rádio 15 anos e falo com conhecimento de causa: não devia existir um programa como esse, ou melhor: até poderia existir, mas deveria ser de transmissão opcional e não obrigatória. Aqui em São Paulo, no Sul e Sudeste não, mas no Norte e Nordeste, serve de meio de propaganda para candidatos que submetem populações àquele meio de vida grotesco. Hoje já tem menos importância, mas ainda nos anos 70 e 80, moldavam o pensamento de cidades inteiras por lá. Lamentável. Eu, como advogado, estou trabalhando em um Mandado de Segurança para livrar uma de minhas clientes da obrigatoriedade de transmissão às 19h00 da Voz do Brasil. Vejam a ótima reportagem da Revista Época sobre mais este monstrengo de um Brasil arcaico que ainda sobrevive nos dias de hoje...
Era início da noite de segunda-feira 22 de julho de 1935, quando o locutor Luiz Jatobá interrompeu com sua voz grave a programação das 50 rádios que operavam no país. Estreava o Programa nacional, idealizado por um amigo de infância do então presidente, Getúlio Vargas, com o objetivo de propagandear as realizações do governo federal. Em 1939, quando Vargas já estabelecera no país a ditadura do Estado Novo, o programa, rebatizado como A hora do Brasil, tornou-se transmissão obrigatória pelas emissoras de rádio, sempre no horário das 19 horas. Durante a vigência de outra ditadura, a do regime militar, A hora do Brasil virou A voz do Brasil. Mudou de nome, mas manteve seu caráter compulsório e sua marca registrada: a abertura com os acordes de “O guarani”, a ópera de Carlos Gomes, e a voz de um locutor que anunciava: em Brasília, 19 horas.
Quando A voz do Brasil foi criada, o rádio era o principal meio de comunicação de massa, e não havia outros canais para os brasileiros das regiões mais longínquas se informarem sobre os fatos e acontecimentos da vida do país. Nesses 75 anos que nos separam da primeira transmissão do programa, o Brasil passou por grandes transformações. Urbanizou-se e deixou de ser um país de população eminentemente rural. Sua economia se industrializou e se modernizou a ponto de estar diante da perspectiva de virar, em breve, uma das cinco maiores do mundo. Há mais de 25 anos, o país é governado por um regime democrático pleno. O rádio também mudou e se adequou à concorrência de outros meios como a televisão e a internet. O anacronismo da obrigatoriedade de transmissão, às 19 horas, de A voz do Brasil por todas as emissoras de rádio do país, porém, permaneceu inalterado, apesar de os poderes públicos contarem hoje com uma monumental estrutura de comunicação. Esse aparato oficial inclui a TV Brasil (controlada pelo governo federal), a TV Câmara, a TV Senado, a TV Justiça e 648 emissoras de TV e rádio de caráter governamental ou educativo.
Essa imposição – que só encontra situações semelhantes em países de regimes políticos fechados e ditatoriais, como China, Cuba e Coreia do Norte – cria situações esdrúxulas. Nas grandes cidades brasileiras, o rádio é o principal veículo de informação para quem está no trânsito. Quando um avião da TAM atravessou a pista do aeroporto de Congonhas, em 17 de julho de 2007, e explodiu em uma das mais movimentadas avenidas de São Paulo, matando 188 pessoas, o ouvinte, porém, não pôde ter informações sobre a tragédia e o caos nas ruas porque as emissoras de rádio foram obrigadas a suspender suas transmissões durante longos 60 minutos para veicular A voz do Brasil. Da mesma forma, durante a catástrofe das enchentes ocorridas em Santa Catarina em novembro de 2008, quem sintonizou o rádio às 19 horas foi privado de informações sobre a calamidade.
A obrigatoriedade de veiculação de A voz do Brasil não garante ouvintes para o programa. Em 2008, uma pesquisa do instituto InterMeios mostrou que a audiência das emissoras despenca quando A voz do Brasil começa e demora a se recuperar, causando estragos no restante da programação. Isso representa um abalo e tanto para a saúde financeira das rádios, destinatárias de uma pequena fatia das verbas do mercado publicitário, que prefere investir em televisão, publicações impressas e internet. “Transmitir A voz do Brasil num horário de pico de audiência significa um prejuízo brutal para as emissoras”, diz Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Amparadas por liminares obtidas na Justiça, com o argumento de que a obrigatoriedade de transmissão contraria a liberdade de imprensa garantida pela Constituição de 1988, algumas emissoras conseguiram alterar o horário de veiculação ou mesmo se livrar da imposição de transmitir A voz do Brasil. Mas essa é uma situação precária, porque a União sempre recorre aos tribunais superiores para tentar suspender essas liminares. Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou uma liminar que permitia às rádios do Rio Grande do Sul fazer a transmissão de A voz do Brasil até 24 horas depois do horário oficial, 19 horas. A revogação desse anacronismo depende, portanto, de uma mudança na legislação pelo Congresso Nacional.
Há vários projetos no Congresso que propõem mudanças em A voz do Brasil. Dois deles, que estão na Comissão de Comunicação, Ciência e Tecnologia do Senado, pretendem dar às rádios, pelo menos, a possibilidade de adequar A voz do Brasil a suas programações. Segundo as propostas, elas poderiam escolher o horário mais conveniente, entre 19 horas e meia-noite, para iniciar a veiculação do programa. “É uma maneira de enquadrar A voz do Brasil à realidade das emissoras”, diz o senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), relator dos dois projetos de lei. “Obrigar uma rádio a usar seu horário nobre para transmitir A voz do Brasil é complicado. Muitas delas apresentam programas de notícia, falam sobre o trânsito, transmitem jogos de futebol, divulgam eventos locais. É importante dar flexibilidade para que as rádios possam preparar suas programações.” A lei atual é tão engessada que não prevê que se possa suspender ou adiar o programa nem sequer em casos de calamidades públicas.
O governo Lula já manifestou apoio à proposta de flexibilização do horário, mas ainda há resistência entre os parlamentares a mudanças no modelo vigente de A voz do Brasil por questões de conveniências políticas. “Muitos parlamentares veem em A Voz do Brasil uma oportunidade de divulgação de suas atuações. É difícil convencê-los de que precisa haver mudanças na lei do programa”, diz ACM Júnior. Em seu começo, o programa divulgava apenas notícias do Poder Executivo. Mas, desde 1967, o tempo de A voz do Brasil passou a ser dividido também com notícias da Câmara dos Deputados e Senado – hoje, o Executivo dispõe de 30 minutos para sua divulgação, enquanto o Legislativo conta com outra meia hora.
Um projeto com a mudança nas regras de A voz do Brasil ainda não tem prazo para ser colocado em votação na Comissão de Comunicação do Senado. Mesmo que venha a ser aprovado pela comissão, terá ainda um longo caminho pela frente. Terá de ser aprovado também pela Comissão de Educação do Senado, pelo plenário do Senado e depois pela Câmara. Só então irá para a sanção do presidente da República. Para tentar vencer resistências nesse trajeto, a Abert iniciou uma mobilização nacional para que os candidatos ao Congresso Nacional e à Presidência da República se comprometam com regras menos rígidas para a transmissão de A voz do Brasil. “Nós não queremos o fim do programa. Mas queremos que as rádios possam ter flexibilidade para montar sua programação”, diz Daniel Slaviero, presidente da Abert.
Desde a redemocratização do país, A voz do Brasil passou por algumas adaptações. Os acordes de “O guarani” foram remixados ao ritmo de forró, samba, choro, bossa nova, capoeira, moda de viola e até techno. Numa tentativa de se aproximar de uma linguagem mais simples e usual, o tradicional “Em Brasília, 19 horas” também foi substituído por “7 da noite, em Brasília”. Essas tentativas de rejuvenescimento não afastaram, porém, o aspecto bolorento do programa. Ele só será eliminado com uma mudança na lei.
Sérgio
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