E viva a Pirataria, rsrsrs Mercado da imitação na China tem 'BlockBerry', 'Goophone' e 'Samsing'. Falta de mecanismos de punição alimenta cultura da falsificação no país. Propriedade intelectual será debatida em congresso do Partido Comunista. Matéria do G1:
Só existe um lugar do mundo onde o presidente Barack Obama é o garoto propaganda do "BlockBerry Whirlwind 9500", em que há lojas "Dolce & Banana" e "Apple Stoers", e onde os turistas conseguem visitar, em apenas um dia, o Corcovado, o Taj Mahal e as Cataratas do Niágara. A China é o reino da imitação. Elevada a status de irreverência e arte, a cultura da falsificação ganhou no país o nome de shanzhai. Na tradução literal, a expressão shanzhai quer dizer "aldeã na montanha" e faz referência às vilas protegidas por fortificações, longe do alcance oficial, e geralmente associadas a antros de bandidos e fugitivos. Com a proliferação da pirataria, o termo shanzhai virou sinônimo de imitação. Assim, é comum falar na China em Nokia shanzhai, assistir ao noticiário shanzhai, visitar e tirar fotos no Monte Fuji shanzhai, passar um fim de semana no Château de Maisons-Laffitte shanzhai ou fazer compras numa Florença shanzhai.
A definição tem tanta importância no país, que o escritor Yu Hua a incluiu na sua obra "China in ten words" (China em dez palavras). De acordo com o autor, o fenômeno explodiu com as réplicas dos smartphones, cujos preços baixos e sua razoável funcionalidade foram atraentes para população mais pobre. O que começou com produtos como Nokla ou Samsing, evoluiu aos poucos para "genéricos" de outras marcas famosas, provocando surgimento de produtos e marcas como "Ipone", "Goophone" e "BlockBerry". Um estudo da firma CCID Consulting, baseada em Pequim, mostrou que, em 2008, 150 milhões de aparelhos (20% dos 750 milhões produzidos na China) eram imitações. Dito de outra forma, as marcas shanzhai abocanharam cerca de 10% do mercado mundial.
De pirata a oficial
"É melhor ser um pirata do que entrar na Marinha". Foi a máxima que Steve Jobs usou nos anos 1980 quando trabalhava no conceito Apple. Três décadas depois, a afirmação de um dos homens mais reconhecidos no campo da inovação é utilizada para defender a "irreverência" da falsificação. Yu Hua afirma que, atualmente, o fenômeno da imitação na China "representa um desafio das bases contra a elite, do popular contra o oficial, do fraco contra o forte". O escritor não é o único a ver no movimento um pouco de rebelião e independência. Han Haoyue, crítico cultural baseado em Pequim, diz que a cultura shanzhai "é das bases e para as bases. Dá às pessoas outra escolha e a possibilidade de resistir aos valores da cultura dominante". As versões shanzhai são uma resposta chinesa ao desfile de marcas internacionais que entraram com força no país após a abertura econômica, em 1978. A enorme demanda do nascente mercado chinês, aliada à flexibilidade das leis de propriedade intelectual e de indústria, explicam o avanço das imitações.
A fabricante de aparelhos celulares Tianyu é conhecida como "a rainha do shanzhai". Seus modelos mais sofisticados estão à venda a partir de 530 yuans (R$ 175) e contam com telas sensíveis ao toque, 3G, GPS, entre outras características. Entre 2007 e 2009, a companhia passou a vender de 17 milhões a 27 milhões de aparelhos por ano. Enquanto isso, as vendas da Nokia caíram de 23,9 milhões para 9,2 milhões entre 2011 e 2012. O motivo? A marca finlandesa não consegue desenvolver aparelhos de tela sensível por um custo menor do que de mil yuans (R$ 325). A telefonia shanzhai não só está tomando o mercado. Algumas companhias deram um passo a mais: estão inovando. Com a inclusão de características que satisfazem a demanda local, algumas marcas estão deixando de ser simples imitações.
Apoio popular
Os chineses do interior também apreciam noticiários shanzhai, os atores e cantores shanzhai. Com mensagens e conteúdos mais locais do que os da TV nacional produzidos em Pequim, a audiência das versões falsificadas está aumentando. O evento mais assistido na televisão nacional chinesa, por exemplo, é o Festival de Primavera da estatal CCTV, durante o ano novo chinês. Várias versões shanzhai do show surgiram nas províncias, mostrando talentos locais e mais humor que o espetáculo nacional. Transmitidos através de internet ao vivo, conseguiram um sucesso tão alto que inclusive alguns contam com patrocínio. Algumas vezes são convidados os cantores e atores shanzhai do momento, que são imitadores das estrelas chinesas mais conhecidas que oferecem espetáculos no interior do pais, em lugares onde as pessoas não poderiam pagar o preço para assistir ao show verdadeiro.
Grande atrativo
A possibilidade de comprar bens de marca a preços inferiores é sem dúvida o grande atrativo para os chineses que querem consumir, mas não têm recursos para comprar nas lojas oficiais. A dona de casa Sin Ma Mei, 32 anos, defende o mercado de imitações. Diz que a maior parte das suas roupas e acessórios é imitação, "mas bem feita". Mensalmente, ela visita quatro mercados, onde a barganha é a norma. Marcas brasileiras como Melissa e Havaianas estão entre as que possuem falsificações e imitações. Ma Mei conta que se interessou pelos famosos sapatos de plástico depois que a grife abriu uma sucursal num shopping luxuoso da cidade. "A primeira vez que os vi quis comprar um par, mas eram muito caros para as minhas possibilidades", diz. Os originais custam 980 yuans (R$ 320). No mercado ao lado, a dona de casa conseguiu comprar uma imitação por 70 yuan (R$ 23). Yu Hua argumenta que as contradições sociais provocaram uma confusão nos valores das pessoas e na forma de olhar para o mundo. "A confusão entre o bem e o mal na China de hoje, por exemplo, tem uma vívida expressão na imitação", diz. Na opinião do escrito, enquanto o conceito ganha aceitação, as ações que originalmente eram consideradas ilegais ou mesmo vulgares ganham uma razão para existir e até respeito.
Resposta do governo
Segundo o chefe do departamento de crimes econômicos do Ministério de Produção Social da China, Gao Feng, "falsificar tem alcançado um nível intolerável na sociedade". No ano passado o governo lançou a operação "Espada Brilhante". Em apenas dois dias de março, a polícia fechou 272 locais de produção e venda, achou mais de 300 aparelhos usados no processo de falsificação e 13,5 milhões de peças e embalagens de imitações de marcas conhecidas. Na capital, a prefeitura chegou a promover uma campanha publicitária com a palavra "inovação" estampada em cartazes. Embora os mecanismo de punição e combate à falsificação sejam falhos no país, a discussão tem uma importância tão grande que a proteção à propriedade intelectual é um dos temas principais do atual Congresso Nacional do Partido Comunista, que começa nesta quinta-feira (8).
Curiosidades da cultura shanzhai
- Em 2009, um escândalo de ovos falsos chocou o país. Feitos com químicos, cada ovo tinha um custo de produção de 5 centavos de yuan. No mercado, uma dúzia de ovos custa, em média, 15 yuan (R$ 5).
- Em 2011, uma enfermeira que morava em Kunming, capital da Yunnan, comentou no seu blog que na cidade funcionava uma loja falsa da Apple. Funcionários, arquitetura, decoração e aparelhos eram praticamente idênticos à estética da Apple à primeira vista. Até os funcionários acreditavam ser contratados pela companhia americana.
- No começo do ano, um novo esquema de falsificação foi descoberto: por um dólar, era possível inserir na caixa de e-mail a mensagem automática “Enviado do meu iPhone”.
- Em outubro, dois oficiais do Partido Comunista em Guandong foram punidos por administrar uma fábrica de bolsas falsas Louis Vuitton. A policia achou 12 mil bolsas no lugar.
- Horas depois de a Apple ter anunciado seu novo iPad Mini, na China era lançado o GooPad Mini pelo custo de 99 yuan (R$ 32). Já circulou no mercado o Goophone i5, cujos “criadores” advertiram que poderiam demandar a Apple quando fosse anunciado o iPhone 5. Eles afirmam ter as patentes na China.
- O parque “A Janela do Mundo” ou minimundo, em Shenzhen, reproduz em escala menor mais de 130 lugares e construções famosas. O Congresso brasileiro e o Corcovado estão na seção das Américas.
- A poucos quilômetros de Pequim, foi construído o Florença Village, outlet que reproduz a arquitetura da homônima cidade italiana. Na versão chinesa, o Michelangelo usa blue jeans e carrega várias sacolas de marca. E, para aqueles que não podem fazer compras nas grifes do Florência Village, comerciantes vendiam no ano passado as sacolas com os nomes das marcas mais desejadas. Por 3 yuan (R$1), os clientes podiam ter uma sacola de papel com “Hermes” ou "Gucci" impresso.
Sérgio
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