quinta-feira, setembro 26, 2013

Amor verdadeiro...


Isso é lealdade e amor... E eles são os "irracionais". Matéria da Folha de São Paulo:

Ninguém imaginaria que aquele bichinho, abandonado numa favela, infestado de carrapatos e tomado pela sarna, sobreviveria a doenças de pele espalhadas pelo corpo. Voluntários de uma ONG recolheram o cão e lhe deram tratamento. Faltava um lar. José Santos Rosa, funileiro da zona leste paulistana, quis ficar com ele. O filhote chegou numa caixa de sapatos. Zé pensou em levá-lo para casa, mas, ao saber que o cão ficaria "gigante", herança de seus traços genéticos, mezzo labrador, mezzo rottweiler, resolveu deixá-lo na oficina. Logo, Beethoven passou a orquestrar barulhos por onde andava. Serelepe, cruzava fácil as grades do portão, que ganhou tampões de madeira para mantê-lo a salvo da rua. O cãozinho, lembra a vizinha Margareth Thomé, 47, "achava que era gato": escalava o muro da funilaria e andava sobre ele, espreitando, ansioso, a chegada do dono.

Na tentativa de conter o ímpeto felino do cão, Zé levantou ainda mais o muro. Por volta das 7h, o barulho do molho de chaves de Zé era a senha para Beethoven pular da cama e ir direto se sacudir no colo do dono. Sábado, domingo ou feriado, sol e chuva, pouco importava o dia, tampouco o clima, lá estava ele, postado na entrada, fazendo festa para Zé. Mas, desde o dia 8 de junho, uma manhã de sábado, o silêncio e a tristeza tomaram conta de Beethoven: a rotina de latidos, saltos e carinhos, ao longo de quatro anos, foi interrompida. Na noite anterior, depois de se despedir do "amigão", como era de costume, o funileiro pegou o carro para ir embora. Dirigia pela avenida Rio das Pedras (zona leste), quando, sentindo fortes dores no peito, procurou às pressas um lugar para estacionar. Ligou para o Samu. A emergência veio rápido, só que tarde demais: Zé, 54, sofreu um ataque cardíaco. Deixa a mulher, duas filhas e Beethoven.

Sempre ao seu lado

"O cachorro ficou tão desamparado quanto elas", diz Margareth. A vizinha fez uma "vaquinha" para comprar ração, mas o apetite do cão, antes voraz, diminuiu bastante. Ela pretende encontrar um novo lar para Beethoven, que hoje divide o teto com outros seis cães de rua, trazidos por um carroceiro que está "ocupando" a funilaria. A família de Zé não tem condições de ficar com Beethoven, que foi para adoção (www.facebook.com/cristiane.biral ). "Quando ele ouve o barulho de chaves, vem correndo para o portão", conta Margareth. "Acha que é o Zé." Elvira Brandolin, 79, outra vizinha, lembra que a rua nunca esteve tão calada. "Ele latia fazendo festa para o Zé. Infelizmente, a festa acabou." Autora de livros como "Um Cão pra Chamar de Seu", a veterinária Regina Rheingantz Motta, 53, explica que Beethoven continua exercitando sua rotina "de encontros e despedidas de seu dono, mas ele ainda não aprendeu a incluir nela a morte".

A persistência de Beethoven fez com que seus vizinhos enxergassem semelhanças entre o cão sem raça definida e a tocante história de Hachiko, o cachorro akita do filme "Sempre ao Seu Lado". Após a morte do dono, Hachiko continua indo "buscá-lo" na estação de trem, assim como Beethoven continua lá, às portas da funilaria, à espera do amigo humano. Baseado em uma história real acontecida no Japão, o longa fez sucesso com Richard Gere no papel do professor, dono do cão, que morre, assim como o Zé, vítima de um ataque fulminante. Mesmo calado e desolado, Beethoven continua fiel à guarda matinal à espera de Zé, todos os dias, às 7h. O que ele ainda não sabe é que o dono jamais voltará.

Sérgio

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