Vejam só... Em 18 de outubro de 2011, um sucateado Boeing 727 da Iran Air se aproximava de Teerã com 113 pessoas a bordo quando o trem de pouso dianteiro emperrou. O comandante Hooshang Shahbazi, de 56 anos, evitou a tragédia ao controlar o avião até que o nariz encostasse suavemente na pista. Desde então, ele luta pelo fim das sanções que impedem o Irã de comprar equipamentos aéreos - e chegou a sofrer represálias do governo anterior do Irã, que negava o impacto das medidas americanas. Abaixo a entrevista publicada pela Folha de São Paulo:
Fui sentado como passageiro entre Teerã e Moscou, pois eu comandaria a tripulação no voo de regresso ao Irã. Ao assumir a cabine, conferi equipamentos e previsão meteorológica. Autorizei o embarque e decolei. A viagem foi muito agradável. Mas, quando já estávamos descendo, a 130 km de Teerã, pedi ao copiloto que baixasse o trem de pouso. Pelo barulho, percebi que havia algo errado. O painel indicou que o trem de pouso dianteiro estava emperrado. O procedimento nesse caso prevê opções sucessivas: acionamento hidráulico, elétrico e manual. Nada funcionou. Tentei então manobra radical que consiste em subir o avião e jogar o nariz para baixo para chacoalhar peças eventualmente emperradas. Não deu certo, e tive que preparar a aterrissagem de emergência. Nem tudo deve ser dito aos passageiros, mas tive de informá-los e pedir que colocassem a cabeça entre os joelhos para o pouso. Como o aeroporto Imã Khomeini só tem uma pista e fica longe do centro, pedi para aterrissar no aeroporto doméstico Mehrabad. Além de ter duas pistas, o que permite manter o aeroporto funcionando mesmo com uma pista interditada, ele fica perto dos hospitais. Eu tinha em mente um cenário de passageiros gravemente queimados.
Eu não rezava porque orações não adiantariam. Nessas horas temos que usar o treinamento e agir como robôs. Chamei a torre de controle com pedido de "Mayday", usado em casos de morte iminente, que permite a ambulâncias e bombeiros se posicionarem para reduzir danos. O mais difícil na hora do pouso foi equilibrar o peso do avião de maneira a manter o nariz levantado pelo maior tempo possível. Qualquer movimento em falso poderia fazer o avião explodir. Ninguém se feriu.
A manobra foi possível porque tenho 35 anos de experiência na aviação civil, período no qual exerci vários cargos, inclusive o de engenheiro de voo, e pilotei todos os modelos da frota da Iran Air, sejam Boeing ou Airbus. Meu pouso é estudado no Japão como milagre. Ao chegar em casa, vi que a mídia estava escondendo o ocorrido. Mas não quis ficar quieto. O inquérito provou que o problema foi causado por uma peça deficiente. Equipamentos falhos são comuns no Irã porque, devido às sanções americanas, não podemos comprar peças de reposição originais para aviões que, como aquele 727, foram fabricados há 40 anos.
Somos obrigados a nos abastecer no mercado negro, com peças genéricas de péssima qualidade, fabricadas na China ou na Coreia, ou de segunda mão. É uma ameaça constante aos passageiros, e esse absurdo precisa ser denunciado. Comecei a falar com jornalistas e a fazer campanha pelo fim das sanções à aviação. Até na ONU dei palestra. As autoridades não só nunca me agradeceram como também me pressionaram a ficar calado, já que o governo negava o impacto das sanções. A Iran Air, estatal, me aposentou de forma compulsória. Nunca mais pilotei. Fico feliz que o acordo nuclear de Genebra nos permita comprar peças de reposição, mas lutarei pelo fim de todas as sanções. Precisamos de 800 aviões civis novos.Temos dinheiro, mas não podemos comprar Airbus e Boeings novos. Já recebi proposta de grandes companhias estrangeiras para voltar a pilotar. Mas estou bem de vida, não preciso. Minha campanha é mais importante.
Sérgio
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