A China é mesmo diferente: crianças fazem ‘vestibular’ para entrar em creches em Hong Kong. Disputa acirrada por vagas aumenta ansiedade de pais sobre educação dos filhos desde a idade pré-escolar; especialistas alertam para excesso de pressão. Eu, pessoalmente, não concordo com isso. E você? Veio do G1:
Entrar em boas escolas ou universidades é difícil em muitas partes do mundo, mas em Hong Kong a pressão começa ainda mais cedo. Para que os pais consigam matricular seus filhos em bons jardins de infância – e até em boas creches, as crianças já têm aulas de preparação para os "vestibulares" infantis. Yoyo Chan está se preparando para uma entrevista importante que pode ajudá-la a ser bem sucedida na vida. Ela tem um ano e meio de idade. Ao completar dois anos, ela entrará em uma creche, mas a competição é feroz em Hong Kong, e alguns dos locais de maior prestígio são extremamente seletivos. Seus pais querem que ela esteja bem preparada para seu primeiro teste na vida. As melhores creches e jardins de infância são consideradas pelos pais como portas de entrada para as melhores escolas primárias – que, por sua vez, facilitariam o caminho para as melhores escolas secundárias e universidades. Por causa disso, as mais procuradas chegam a receber mais de mil pedidos de inscrição para poucas dezenas de vagas. Agora, empresas oferecem treinamento de entrevista para crianças, com o objetivo de dar a elas uma vantagem a mais.
Preparação
Em uma de suas aulas, Yoyo é instruída a cumprimentar o professor e se apresentar para ele. O professor, em seguida, pede que ela faça uma série de tarefas como construir uma casinha de tijolos, fazer um desenho, prender dois olhos de feltro no lugar correto de um rosto e identificar pedaços de frutas. A menina começa um pouco tímida, mas logo se solta e parece divertir-se realizando as tarefas e brincando. "Estas aulas e entrevistas podem ser difíceis", diz sua mãe, Emma. "Mas eu quero que ela esteja preparada. A maioria dos pais quer que seus filhos tenham um bom começo." Uma das creches nas quais Emma está interessada entrevistou mais de 100 candidatos para apenas nove vagas, então ela fará o que foi preciso para aumentar as chances de sucesso de sua filha.
O irmão mais novo de Yoyo, que ainda é um bebê, vai começar a ter aulas em breve, quando tiver oito meses de idade. Em uma das empresas, a Hong Kong Young Talents Association (HKYTA), uma série de 12 sessões de treinamento custa 4.480 dólares de Hong Kong (R$ 1.718) – cerca de um quarto da renda mensal mediana de uma família. "Tentamos ensinar as crianças através de atividades musicais, adaptando as atividades ao que as entrevistas irão pedir", diz a professora da HKYTA, Teresa Fahy.
Perguntas complexas
Para tornar as coisas um pouco mais complicadas – e mais estressantes para os pais – creches e jardins de infância diferentes pedem coisas diferentes. É comum que os entrevistadores observem a maneira como crianças lidam com os brinquedos. Isso pode revelar algo sobre suas habilidades motoras e sobre como eles interagem com outras crianças. A maneira como eles participam de atividades em grupo como cantar ou dançar conforme a música também é cuidadosamente examinado. Além disso, os entrevistadores conversam com as crianças para saber quão bem eles se expressam e se fazem contato visual. Alguns, mas não todos, também pedem que as crianças identifiquem cores e formas ou expliquem algumas cenas em livros. "As perguntas estão ficando cada vez mais difíceis. Os jardins de infância podem fazer perguntas complexas como 'para que servem seus olhos?' ou 'que tipo de ovo é este?'." "Eles também podem avaliar o comportamento da criança ao oferecer doces a ela no fim da entrevista. A criança tem que pegar um e dizer 'obrigada'. Pegar muitos doces é visto como ganancioso e rejeitá-los é visto como grosseiro."
Confiança e espontaneidade
Muitos pais concentram-se em ensinar os filhos a nomear cores e objetos, mas nem todos os entrevistadores se impressionam com essa habilidade. "Não estou buscando esse tipo de conhecimento, são coisas que nós vamos ensiná-los quando começarem a estudar conosco", diz Jenny (nome trocado a pedido da entrevistada), professora de um conhecido jardim de infância bilíngue.
Ela diz ainda que, mesmo que os pais não percebam, muitas vezes eles são observados ainda mais atentamente pelos professores do que as crianças. "É preciso saber com que tipo de pais estamos lidando. Se os pais forem muito controladores, o meu 'não' é automático", afirma. E se os pais trouxerem um portifólio listando os cursos que seus filhos fizeram e os lugares onde passaram as férias – como alguns fazem – ela sequer olha.
Outra professora de escola primária afirma que as aulas de entrevista podem ajudar as crianças a ficarem menos nervosas no grande dia. Mas Leung Wai-fan, diretora do jardim de infância King Shing, diz que pode ficar óbvio que a criança foi treinada. "Conseguimos dizer se uma criança está sendo natural ou não. É fácil ensinar uma criança o que dizer, mas elas não necessariamente entenderão o que estão dizendo." "A criança pode aprender a recitar determinada frase – mas se você fizer uma pergunta, ela fica tímida." Crianças confiantes, que respondem as perguntas colocadas a elas, geralmente têm avaliações melhores. Ser tímido é uma desvantagem, mesmo com um ano e meio de idade.
Perda de interesse
Leung sabe muito bem até onde os pais irão na esperança de conseguir uma vaga em um jardim de infância. Sua escola chamou a atenção da mídia no ano passado depois que alguns pais esperaram na fila por duas noites para garantir que seriam os primeiros a entregar o formulário de inscrição. Ela teme que a educação primária tenha se tornado muito comercial e muito exigente – e acompanha com preocupação quando os pais matriculam crianças em idade pré-escolar em aulas de inglês ou de mandarim, pressionando-os para que tirem boas notas. "Não é assim que crianças aprendem. Tentamos dizer aos pais que a educação deveria ser para toda a vida, e não apenas funcional."
Lam Ho Cheong, professor e especialista em educação na primeira infância do Hong Kong Institute of Education, concorda. "Por um lado, é preciso desenvolver suas habilidades. Por outro, você quer que elas se interessem por aprender", diz. "Se você pressionar muito as crianças quando elas são jovens, corre o risco de fazer com que elas percam o interesse. Por exemplo, as habilidades de leitura das crianças de Hong Kong são altas em comparação com outros países, mas o interesse pela leitura é baixo." Alguns professores afirmam ainda que, ao invés de matricular seus filhos em cursos, os pais deveriam simplesmente passar mais tempo com eles. "Eu não recomendaria que pais sobrecarregassem seus filhos com treinamentos, porque a maneira como uma criança se sente no dia da entrevista pode passar por cima de toda a preparação que ela teve. É melhor que os pais passem mais tempo brincando e lendo para seus filhos em casa", diz Jenny. Este ano, no entanto, entrar em uma creche será especialmente difícil em Hong Kong. Mais crianças do que o normal nasceram entre 2012 e 2013 porque era o ano do dragão no calendário chinês, considerado auspicioso. Para as crianças do dragão, é chegada a hora de enfrentar o primeiro desafio.
Sérgio
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